top of page
Buscar
Foto do escritorj0093

Jeca do Futuro _ Ct 1


Pois é, essa história ninguém me contou não, foi comigo mesmo que aconteceu, ali na baixada que vai pras terras do Seu Noah. Pouco antes de chegar no corgo que tem ali. 

Naquela época eu tava começando com o café que eles falaram que tava bom pra plantar, aí eu pegava minha motoca todo dia pra ver como ia a plantação, eu tinha quase tudo automatizado, drone pra passar os produtos mas gostava de sempre ir olhar eu mesmo pra ter certeza que tava tudo crescendo certinho. Eis que eu fui andando pela estrada de terra e lá de longe vi um drone voando, baixinho, devagarinho, fiquei meio encucado mas segui, andava um pouco e olhava pro drone, parado, andava, olhava, e ele lá, rodando parado.

Naquela hora eu preocupei, achei que o drone tinha quebrado. E tava lá, jogando veneno só naquele lugarzinho. Ali já desci da motoca com raiva. Aquele café não tava me rendendo nada e ainda ia ter mais um conserto pra pagar, pensa num arrependimento… Já saí andando no meio daquele cafezal, peguei meu celular pra controlar aquele drone. Apontava pra ele e nada; apontava e nada; apontava e nada. Cheguei bem em baixo dele, e nada.

Ali a vontade já era dar um tiro, não conseguia nem desligar com o aplicativo do celular, ele reconhecia na câmera e tudo mas não me deixava controlar. Não sei se hackearam ou alguma coisa mas nada funcionava. Aí eu peguei a arma pra derrubar aquilo. Só que aí eu pensei: vou atirar, não vai ter conserto e lá vem mais gasto pra eu pagar. Decidi pegar ele e desligar no manual mesmo.

Peguei uma corda boa que eu sempre carrego, preparei o laço e armei. Rodei aquele laço na cabeça, rodei uma, na segunda eu lancei. Pronto, agarrou bem na perninha dela, mas pra quê? No que eu puxei a corda parece que o trem criou vida. Aquele drone disparou pro outro lado que quase me toma a corda, sorte que segurei. Aí ele puxou de novo mas com uma força que eu cheguei a ir pra frente, mas segurei de novo.

Na terceira não deu. Ele disparou e eu fui agarrado na corda arrastado. Mas foi uma força, uma força que eu nunca vi aquilo. Ele foi me arrastando no meio daquele cafezal me jogava de um lado pro outro, acabando com minhas e nada de para. Fui tentar fazer força pra para, cheguei a perder o solado daquela bota de bisão que eu ganhei lá do Cumpade Enzo que foi pra Austrália, então, depois eu te mostro o estado que ela ficou.

Mas aí eu saí arrastado pensando: e agora? Nada parava, nada parava até que eu vi a cerca do Seu Noah. Ali eu falei, agora ele para, ou para na hora que eu bater na cerca ou para na hora que sair do cafezal. Que aí o GPS para ele né, sorte que eu ajustei tudo certinho. Aliás, sorte nada, que nada adiantou. Ele passou, continuou correndo, me jogou pra cima daquela cerca, e parou nada. Levei a cerca no peito, trinquei duas costelas, acho que foi daí, só pode né?


“Virje Jeca e você tá bem?”

Dói só quando respira mas espera um pouquinho que tem mais. Ele saiu me rastejando no meio daquele canavial do Seu Noah aí já viu né, saí derrubando aquelas canas todinha. Você viu o povo falando que era rastro de ET? Acho que veio até TV ver isso. Era nada, era eu. Mas eu tava meio ressabiado naquela época, nem falei nada pro Seu Noah não ficar com raiva de mim.

E tudo culpa desse drone aí, saiu me carregando canavial afora. Foi levando, levando e eu segurando. Minhas botas, que meu Cumpade me deu, já cheirava igual couro queimado e eu puxava e nada, puxava e nada. Na hora que eu vi… Já tava lá no confinamento no Isaquinho, descendo aquele morro e lá de cima eu vi aquela boiada, parecia um marzão branco, era até bonito


“Ué Cumpade, mas e o Rio Vermelho?”

O Rio? Ah é tem o Riozinho ali né? Ele me passou numa pulada só, parecia aquelas pedras que vão quicando na água. As botas de bisão, molhou tudo.

Mas aquele bendito, pra não falar outra coisa, continuou me arrastando passei no meio daqueles bois tudo, só desviando, desviava de um por um. Imagina só, além de arrastado tive que ir desviando ainda dei uma cabeçada no chifre de um boi, tô até hoje com um galo aqui na cabeça que de vez em quanto dói quando tenho que fazer aquelas contas de dividir, tô até evitando pensar muito por causa disso.

E isso nem foi o pior. No meio daquela confusão daquela boiarada acho que chutei um bezerrinho que tava mamando. Pra quê? Hora que saí da fazenda do Isaquinho, eu vejo uma vaca, braba, braba, numa carreira doida atrás de mim. Ela chegava que babava de raiva, aí eu tive que correr junto do drone. Corria e pulava, corria e pulava porque eu sentia que ela vinha dar uma mordida aí tinha que pulava fui nessa até atravessar o algodão do Ravi, aquele menino do finado Pedro.


“Mas Cumpade, o algodão não fica do lado de lá da estrada?”

Ah meu irmão, na correria acho que nem vi a estrada. Nem eu nem a vaca porque nada parou o bicho. Eu só vi que ela sumiu quando eu tava lá no meio da algodoeira. Não sei se ela assustou com as máquinas ou pararam ela na cancela. Eu achei que iam me parar mas na hora eu dei um pulo pra fugir da mordida que eu fui tão alto, mas tão alto que eu acho que o alarme não pegou.

Mas o bicho eles devem ter pego, porque lá eu parei de pular. Mas fui arrastado, ainda tentei usar alguma máquina lá pra me parar mas nada adiantou. Na esteira mesmo, fiquei umas três horas correndo de roda ali, igual desenho animado pra ver se parava mas nada adiantou, até ele me carregar de novo. Gritei para os caminhoneiros que tavam carregando ali, pode perguntar pro Bernardo que ele tava mexendo nas coisas ali, mas ninguém me escutou, passei vazado naquela cerca de ferro. Levei ela no peito, o buraco deve tá lá ainda

Ali eu vi que tava enrolado, já devia estar lá pelo Vale dos Sapos, que eu até senti o ar ficar abafado que lá é igual uma panela de pressão né. Um solzão que ardia e tem mais, a bateria daquele drone era solar. Eu tinha até esperança dela acabar, porque ela tem uma carga dela né, de por na tomada, mas ali eu vi que não ia ter jeito.

Nisso eu já comecei a pensar: solto ou não solto? Imagina soltar um drone daquele, caro, paguei caro pra vim com tudo já. Bateria solar, GPS, o vapor dele saía até na temperatura certa pra não irritar as plantinhas, coisa de última geração. Aí eu fiquei pensando, fiz conta, ali eu tava conseguindo fazer conta ainda. Até eu decidi soltar. Fui criando coragem, fui criando coragem…


“E perdeu o drone Cumpade?”

Perdi, criei coragem até que soltei. Mas sabe o pior? Na hora que eu vi eu tava lá naquele porto, enorme, na em Coronel Barbosa. Uns container, uns barracão, tudo enorme, enorme que você fica até perdido. Hora que eu o navio daquele tamanho até assustei, falei nem no Rio Grande tem barco desse tamanho, tô onde? Acho que é cruzeiro que chama, devia ser esse. Um trenzão enorme, cabe a cidade inteira se quiser.

E pra voltar? Eu tava só na roça, não tinha carteira, documento nada. Ainda tive que ficar lá no porto, três meses trabalhando pra pegar dinheiro pra voltar. Sorte que eles precisavam de gente pra carregar as coisas lá aí eu fiquei trabalhando, dormia no barracão de noite e trabalhava de dia pra poder voltar, nem na praia famosa lá eu não fui. Foi por isso que fiquei sumido esses dias. Até pra pegar o ônibus deu trabalho, a sorte que eu fiz umas amizades que me emprestou até documento velho pra voltar.

Ainda tive sorte que minha mulher é esperta, ela viu que eu não voltava e foi tocando a roça aqui. Ela achou até que eu tinha arrumado outra família mas nada, amo ela demais. Ainda mais que ela salvou minha roça, imagina perder tudo. Mas agora tô recuperando tudo já.


“Mas Cumpade, você atravessou três estados só segurando esse drone?”


Jeca do Futuro é uma série de contos que reimagina histórias do interior em um ambiente futurista


0 visualização0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Teste

testando. Esse é só um teste, não é necessário prestar atenção. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Mas...

Comentarios


bottom of page